04 fevereiro 2015

Flash-backs


Café

A minha avó sopra uma brasa. A brasa numa cama de caruma. Sopra.
Depois acende-se uma chama na caruma e nos olhos da minha avó.
Em breve o aroma do café da manhã atraía todos em redor da mesa da cozinha do forno.
Desde aquela brasa até à máquina de cápsulas de café passou tanto tempo que eu já não devia lembrar-me disto, mas sempre que tomo a bica sinto que me falta qualquer coisa.
E não é café.

Cansaço

À hora em que o sol preguiçoso de Outono se servia da erva alta para desenhar longas pestanas de sombra sobre o pó da estrada de Vale de Cide, eu olhava os jornaleiros, cansado só de ver os corpos estomagados pelo martírio do farpão nas leivas barrentas dos vinhedos do Solão.
A minha doce lassidão perante a tortura.
Eles, talvez interpretando a inclinação da luz, pousavam o farpão. E a tarde morria.
Endireitavam a custo o dorso, com ambas as mãos apoiando as cruzes. Quase se ouviam os gonzos perros daquelas costas a ranger.
E espreguiçavam o olhar pela estrada fora, por onde se faria o caminho para o descanso.

Setembro

Quando o Verão era mais barato apanhávamos a camioneta para a Costa Nova.
Passávamos a ponte de madeira a pé. Ao longe cones de sal.
Se só os cones eram brancos, porque é que aquelas manhãs de Setembro da minha infância passaram para os meus sonhos?

Guerra

O vento soprava vindo de Sueste. Uma farripa de cabelo passava-me à frente dos olhos entrecortando a paisagem. Claro, escuro. Claro, escuro.
As palavras do Dr. Diógenes a falar do dever e da honra. As palavras do meu pai a falar de afetos. A guerra à espera.
Como se podem tomar decisões com o cabelo à frente dos olhos?

Um comentário:

MARÍLIA CRUZ disse...

Olá, é muito interessante sua escrita a respeito da guerra, nos faz entender coisas que nem imaginamos. Fiz um trabalho sobre seu livro que me comoveu muito.
https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6560995